quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Canto dos Palmares

Eu canto aos Palmares
sem inveja de Virgílio de Homero
e de Camões
porque o meu canto
é o grito de uma raça
em plena luta pela liberdade!

Há batidos fortes
de bombos e atabaques
em pleno sol
Há gemidos nas palmeiras
soprados pelos ventos
Há gritos nas selvas
invadidas pelos fugitivos…

Eu canto aos Palmares
odiando opressores
de todos os povos
de todas as raças
de mão fechada
contra todas as tiranias!

Fecham minha boca
Mas deixam abertos os meus olhos
Maltratam meu corpo
Minha consciência se purifica
Eu fujo das mãos
Do maldito senhor!

Meu poema libertador
é cantado por todos,
até pelo rio.
Meus irmãos que morreram
muitos filhos deixaram
e todos sabem plantar
e manejar arcos;
muitas amadas morreram
mas muitas ficaram vivas,
dispostas para amar
seus ventres crescem
e nascem novos seres.


O opressor convoca novas forças
vem de novo
ao meu acampamento…
Nova luta.
As palmeiras
ficam cheias de flechas,
os rios cheios de sangue,
matam meus irmãos,
matam as minhas amadas,
devastam os meus campos,
roubam as nossas reservas;
tudo isso,
para salvar
a civilização
e a fé…

Nosso sono é tranquilo
mas o opressor não dorme,
seu sadismo se multiplica,
o escravismo é o seu sonho
os inconscientes
entram para seu exército…

Nossas plantações
estão floridas,
nossas crianças
brincam à luz da lua,
nossos homens
batem tambores,
canções pacíficas,
e as mulheres dançam
essa música…

O opressor se dirige
a nossos campos,
seus soldados
cantam marchas de sangue.

O opressor prepara outra investida,
confabula com ricos e senhores,
e marcha mais forte,
para o meu acampamento!
Mas eu os faço correr…

Ainda sou poeta
meu poema
levanta os meus irmãos.
Minhas amadas se preparam para a luta,
os tambores
não são mais pacíficos,
até as palmeiras
têm amor à liberdade…

Os civilizados têm armas,
e têm dinheiro,
mas eu os faço correr…

Meu poema
é para os meus irmãos mortos.
Minhas amadas
cantam comigo,
enquanto os homens
vigiam a Terra.

O tempo passa
sem número e calendário,
o opressor volta
com outros inconscientes,
com armas
e dinheiro,
mas eu os faço correr…

O meu poema libertador
é cantado por todos,
até pelas crianças
e pelo rio.

Meu poema é simples,
como a própria vida,
nascem flores
nas covas de meus mortos
e as mulheres
se enfeitam com elas
e fazem perfume
com sua essência…

Meus canaviais
ficam bonitos,
meus irmãos fazem mel,
minhas amadas fazem doce,
e as crianças
lambuzam os seus rostos
e seus vestidos
feitos de tecidos de algodão
tirados dos algodoais
que nós plantamos.

Não queremos o ouro
porque temos a vida!
e o tempo passa,
sem número e calendário…
O opressor quer o corpo liberto,
mente ao mundo
e parte para
prender-me novamente…

— É preciso salvar a civilização,
Diz o sádico opressor…

Eu ainda sou poeta
e canto nas selvas
a grandeza da civilização — a Liberdade!
Minhas amadas cantam comigo,
meus irmãos
batem com as mãos,
acompanhando o ritmo
da minha voz….

— É preciso salvar a fé,
Diz o tratante opressor…

Eu ainda sou poeta
e canto nas matas
a grandeza da fé — a Liberdade…
Minhas amadas cantam comigo,

meus irmãos
batem com as mãos,
acompanhando o ritmo
da minha voz….

Saravá! Saravá!

Repete-se o canto
do livramento,
já ninguém segura
os meus braços…
Agora sou poeta,
meus irmãos vêm ter comigo,
eu trabalho,
eu planto,
eu construo
meus irmãos vêm ter comigo…

Minhas amadas me cercam,
sinto o cheiro do seu corpo,
e cantos místicos
sublimam meu espírito!
Minhas amadas dançam,
despertando o desejo em meus irmãos,
somos todos libertos,
podemos amar!
Entre as palmeiras nascem
os frutos do amor
dos meus irmãos,
nos alimentamos do fruto da terra,
nenhum homem explora outro homem…

E agora ouvimos um grito de guerra,
ao longe divisamos
as tochas acesas,
é a civilização sanguinária
que se aproxima.

Mas não mataram
meu poema.
Mais forte que todas as forças
é a Liberdade…
O opressor não pôde fechar minha boca,
nem maltratar meu corpo,
meu poema
é cantado através dos séculos,
minha musa
esclarece as consciências,

Zumbi foi redimido…

(Solano Trindade)

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