domingo, 22 de fevereiro de 2015

Quenguêlêquêze!... (Lua nova)

“Quenguêlêquêze!… Quenguêlêquêze!”…
Surgia a lua nova,
E a grande nova
— Quenguêlêquêze!…— ia de boca em boca
Traçando os rostos de expressões estranhas,
Atravessando o bosque, aldeias e montanhas,
Numa alegria enorme, uma alegria louca,
Loucamente,
Perturbadoramente…
Danças fantásticas
Punham nos corpos vibrações elásticas,
Febris,
Ondeando ventres, troncos nus, quadris…
E ao som de palmas
Os homens, cabriolando,

Iam cantando
Medos de estranhas vingativas almas,
Guerras antigas

Com destemidas ímpias inimigas
— obscenidades claras, descaradas,
Que as mulheres ouviam com risadas
Ateando mais e mais
O rítmico calor das danças sensuais.
“Quenguêlêquêze!… Quenguêlêquêze!…”
Uma mulher de vez em quando vinha,
Coleava a espinha,
Gingava as ancas voluptuosamente,
E diante do homem, frente a frente,
Punham-se os dois a simular segredos…
— Nos arvoredos
Ia um murmúrio eólico
Que dava à cena, à luz da lua, um que diabólico…



“…quêze! Quenguêlêquêze!…”
… Entanto uma mulher saíra sorrateira
Com outra mais velhinha;
Dirigiu-se na sombra à montureira,
Com uma criancinha.
Fazia escuro e havia
Ali um cheiro estranho
A cinzas ensopadas,
Sobras de peixe e fezes de rebanho
Misturadas… O vento, perpassando a cerca de caniço,
Trazia para fora o ar abafadiço,
Um ar de podridão…
E as mulheres entravam com um tição:
E enquanto a mais idosa
Pegava na criança e a mostrava à lua
Dizendo-lhe: “Olha, é a lua”,
A outra, erguendo a mão,
Lançou direito à lua a acha luminosa.
— O estrepitar de palmas foi morrendo…
E a lua foi crescendo… foi crescendo…
Lentamente…
Como se fora em brando e afogado leito
Deitaram a criança, revolando-a,
Ali na imunda podridão, no escuro,
Lhe deu o peito…
Então, o pai chegou,
Cercou-a de desvelos,
De manso a conduziu p´los cotovelos,
Tomou-a nos seus braços e cantou
Esta canção ardente:
“Meu filho, eu estou contente!
Agora já na temo que ninguém
Mofe de ti na rua,
E diga, quando errares, que tua mãe
Te não mostrou a lua!
Agora tens abertos os ouvidos
Para tudo compreender;
Teu peito afoitará, impávido, os rugidos
Das feras, sem tremer…
Meu filho, estou contente!
Tu és agora um ser inteligente,
E assim hás-de crescer, hás-de ser homem forte
Até que já cansado
Um dia muito velho
De filhos, rodeado,
Sentido já dobrar–se o teu joelho
Virá buscar-te a Morte…
Meu filho, eu estou contente!
Agora, sim, sou pai!…”
Na aldeia, lentamente,
O estrepitar das palmas foi morrendo…
E a lua foi crescendo…
— Crescendo
Como um ai…

(Rui de Noronha - poeta moçambicano)

Nenhum comentário:

Postar um comentário